Parte 1 – Principais equívocos de empreendedores ao iniciar a validação do seu modelo de negócio
Essa é parte 1 de uma série de artigos que tem o objetivo de melhorar o processo de entendimento do problema do cliente e de validação inicial usado por empreendedores nos seus modelos de negócios.
Apresentando a poderosa ferramenta de pesquisa exploratória e evidenciando os principais erros cometidos nas etapas iniciais de validação.
A seguir veremos que o MVP não é a primeira ferramenta que se deve ter em mente ao tentar validar uma startup e como a pesquisa exploratória se insere nesse contexto, além de indicar seus outros usos além de validações iniciais.
Após isso, vamos explorar como não devemos aplicar essa ferramenta, explicitando as principais armadilhas nas quais podemos cair.
Na parte 2 iremos explorar um pouco mais o processo de desenho desta pesquisa, quais as melhores práticas na hora de rodar essas entrevistas e, muito importante, como extrair das informações derivadas decisões significativas para o futuro do seu negócio.
MVP não é bala de prata
Aliás, não existe essa coisa de bala de prata.
É muito comum – mais do que deveria – que empreendedores com intenção de criar uma startup relacionem, quase como se fossem sinônimos, validação de startup com MVP. Nessa visão, o mínimo produto viável é o passo seguinte ao desenho do canvas, e acaba sendo a única ferramenta de interação que o negócio tem com o mercado.
Isso não necessariamente dá errado, e é possível criar uma startup de sucesso seguindo esse roteiro, apesar de aqui na Semente nós não recomendarmos essa abordagem.
Acreditamos que o desenvolvimento de negócios inovadores é um processo de gerenciamento de risco, portanto, cada oportunidade de interação com o mercado é fonte de informação importante que diminui o nível de incerteza e, consequentemente, mitiga os riscos associados à inovação.
Nassim Taleb, ao falar sobre o papel da tentativa e erro na inovação destaca que:
“A tentativa e erro tem um valor imperioso que as pessoas parecem não entender: ela não é realmente aleatória. Ao contrário, graças à opcionalidade, exige alguma racionalidade. É preciso ser inteligente para reconhecer o resultado favorável e saber o que descartar.”
O risco de não racionalizar um processo de desenvolvimento de negócio sob altos níveis de incerteza é transformá-lo num processo puramente aleatório.
A premissa da metodologia de Customer Development, quando se contrapõe ao Product Development, é justamente entender o modelo de negócios como uma série de hipóteses que devem ser testadas e validadas (ou não) com o mercado e, então, decidir por revisar o modelo, ou assumir uma parcela a mais de risco.
Como as principais hipóteses iniciais de todo negócio inovador costumam ser relacionadas ao problema, e o MVP não é eficiente para extrair informações sobre o problema do cliente, é essencial que os empreendedores conduzam constantemente entrevistas de validação de startup, num processo de pesquisa exploratória.
Uma pesquisa exploratória é um conjunto de entrevistas de validação, conduzidas com potenciais clientes (ou seja, pessoas dentro do seu público-alvo ou com características de alguma persona do seu negócio) com o objetivo de trazer insights sobre as suas perspectivas, contexto, hábitos, comportamento e, principalmente, dores.
Essas entrevistas ajudam a construir empatia do empreendedor pelos seus clientes, aprimorando o desenho das hipóteses que sustentam o seu modelo de negócio.
Seja nichando melhor o mercado, melhorando a solução proposta, encontrando um modelo de receitas mais alinhado com a experiência do cliente ou descobrindo novos canais para atingi-los.
Ferramentas existem para estar a serviço do empreendedor, e não o contrário
O principal benefício que pode ser gerado pela pesquisa exploratória é, sem dúvidas, garantir que não se está fazendo algo que não deveria ser feito, como desenvolver uma solução que resolve um problema que não é relevante, ou que sequer exista.
Ao buscar um entendimento profundo do problema do cliente e de como ele lida com ele, essas informações essenciais para o desenvolvimento do negócio emergem, possibilitando que se tome decisão de forma muito mais assertiva a respeito da relevância que a futura solução terá.
Mas, os benefícios potenciais dessa ferramenta não terminam aí. Como qualquer ferramenta (Personas, Teste de Fumaça, Mapa da Empatia, etc.), o uso da pesquisa exploratória se torna extremamente versátil a partir do momento em que se domina o conceito por trás dela.
Com a pesquisa exploratória, é possível:
Aprofundar o conhecimento sobre o público: principalmente por ser uma ferramenta de uso constante, as entrevistas de validação servem pra cada vez mais imergir dentro do dia-a-dia do público-alvo e desvendar padrões de comportamento, complexidade do contexto em que estão inseridos, opiniões, demandas, tarefas realizadas ou ganhos esperados. Toda oportunidade de conversar com um cliente em profundidade deve ser aproveitada, não importando o estágio de desenvolvimento do negócio.
Desenhar a melhor solução possível: após validado o problema e antes de desenhar o primeiro MVP é interessante seguir aplicando esse tipo de entrevista a fim de imergir mais profundamente no problema do cliente, entendendo cada implicação e causa que ele apresenta. Qualquer problema tem infinitas possíveis soluções e esse conhecimento auxilia os empreendedores a desenhar aquela solução que está mais alinhada com o cliente e o mercado encontrados.
Mapear concorrentes e soluções alternativas: muitas vezes nessas entrevistas os clientes externalizam como lidam com o problema, quais soluções buscam (sejam elas artesanais ou outras soluções de mercado) e quais os pontos fortes e fracos dessas soluções. Uma declaração de um cliente que tentou resolver o problema por um desses meio e não conseguiu, ou tem grandes problemas ao utilizar é uma informação de grande valor.
Descobrir o que não está funcionando tão bem na solução: assim como pode acontecer com soluções concorrentes, também é possível e até provável, que a sua solução ainda não esteja perfeita. As entrevistas, então, são ótimas para identificar esses erros mais latentes na sua solução e agir para solucioná-los.
Perceber novas necessidades e planejar o roadmap de desenvolvimento: o principal motivo para você nunca cessar o processo de pesquisa exploratória é a constante necessidade de inovação que o mercado demanda da sua startup. Sempre existe espaço para aprimorar a solução, seja melhorando a experiência do usuário, adicionando novas funcionalidades, integrando outras soluções, modificando interfaces, etc. e todas essas demandas surgem, principalmente, desse contato direto com o usuário.
Prototipar partes do processo comercial: por fim, as entrevistas são um ótimo laboratório para o seu processo comercial, seja ele baseado em vendas consultivas, seja um auto serviço. Isso porque nessas conversas é possível identificar, através da reação do entrevistado, quais argumentos geram reações no cliente que o fazem avançar na jornada de compra, como por exemplo uma pergunta sobre “os impactos de determinado problema no fluxo de caixa” pode fazê-lo explicitar uma necessidade de se ter uma solução mais ágil para a questão. Essas informações, se bem compiladas e processadas, dão insights valiosos para aumentar as suas taxas de conversão!
O problema dos vieses (porque não fazer um formulário online)
Muitos empreendedores travam ao reconhecerem a necessidade de explorar o público-alvo antes de ter minimamente uma ideia do que será a solução.
Isso se deve, muitas vezes, a uma super confiança injustificada dos empreendedores sobre o problema do cliente, dificuldade de entrar em contato com o público-alvo, seja por esse ser muito inacessível para o empreendedor, seja pelo empreendedor não ter muito tato para conversar com o cliente (comum em equipes extremamente técnicas). Ou simplesmente medo das críticas que possam surgir antes de que se tenha a oportunidade de apresentar a solução no seu “estado da arte.”
Muito provavelmente é esse o empreendedor que vai validar as principais hipóteses do seu modelo de negócio por meio de um formulário online, e isso é a pior coisa que se pode fazer.
Os insights derivados das informações extraídas em formulários online são extremamente suscetíveis a vieses cognitivos, prejudicando uma decisão que deveria ser racional. Seguem alguns exemplos:
Viés de confirmação: erro clássico, o combo de fazer perguntas confirmatórias, binárias e, ainda por cima, sem nenhum contato real com o respondente é a receita pra cair num viés de confirmação. Muitas vezes caracterizado em perguntas que seguem o modelo “você tem o meu problema e usaria a minha solução?” é comum perceber, em pitches, uma conclusão a partir dessa pergunta traduzida como “87% de aceitação do mercado.”
“Bom, mas qual é o problema do cliente?” Alguns de vocês podem estar se perguntando.
O problema, ou a série de problemas, se inicia em utilizar uma pergunta que estimula a uma resposta, não permitindo que a real percepção do entrevistado apareça naturalmente.
Além disso, usar perguntas binárias pode limitar muito a qualidade da informação recebida, ignorando qualquer nuance que poderia surgir na resposta (portanto esse tipo de pergunta deve ser usado com cuidado).
Além disso, para relacionar essa resposta com aceitação de mercado é necessário outro salto lógico: declaração (remota) de intenção de compra não é a mesma coisa que intenção de compra, que, por sua vez, não é a mesma coisa de aceitação do mercado.
Aceitação do mercado é mensurado a partir, unicamente, de vendas, recorrência dessas vendas e satisfação dos clientes com a solução.
Qualquer outra inferência indireta nesses indicadores costuma se mostrar um péssimo modelo.
Viés do sobrevivente: a informação que não vemos, às vezes, é mais importante do que a que está em nossas mãos. Formulários online só computam respostas completas, ou seja, aquelas das quais o respondente ativamente submete ao sistema, e isso causa o chamado viés do sobrevivente.
Só temos informação sobre o grupo que “sobreviveu” ao processo de preenchimento do formulário, e todos aqueles que, ou por não se sentirem identificados, ou por não se engajarem naquele problema ou na solução param de responder e não chegam até nós.
Numa conversa real, por mais breve que ela possa ser, ela ainda assim é informativa: se a sua abordagem não é efetiva o suficiente para convencer o público a conversar contigo, dificilmente vai ser suficiente para eles comprarem a solução. Revise o problema declarado, o público, a persona com quem você está falando, o canal usado para chegar nessa pessoa ou até, em último caso, todo o modelo de negócio.
Viés da informação e heurística da disponibilidade: temos a propensão a buscar por mais informação (principalmente informação inútil), e também superestimamos a informação que está disponível, em detrimento daquela que está ausente. A convergência estimulada por um questionário online, estático, nos faz focar no que não importa, e ficar cegos para tudo mais que não está diretamente ali.
Um formulário online estimula ainda mais a extração de informação inútil, que, por sua vez, aumenta a quantidade de informação disponível, diluindo o que é realmente importante e distraindo ainda mais o tomador de decisão da informação ausente. Ou seja, dos sinais que não apareceram na pesquisa.
Ainda por cima, todos esses acréscimos desnecessários diminuem as taxas de resposta do formulário, potencializando o viés do sobrevivente.
Ilusão de clusterização: temos uma forte tendência a perceber padrões em eventos aleatórios, e esse é o viés definitivo para não se usar formulários online. A informação como é apresentada vinda desses formulários (em termos percentuais, de forma quantitativa ou qualitativa estática) é extremamente convidativa à identificação de padrões inexistentes e isso combinado com os vieses anteriores aumenta drástica e injustificadamente o nível de confiança dos empreendedores.
Nada mais perigoso que alguém extremamente motivado e extremamente mal informado.
Em suma, para um contexto de pesquisa exploratória, caracterizada justamente por ser um processo mais divergente do que convergente, menos determinístico e com uma carga interpretativa bem alta, o uso de um meio diametralmente oposto a essas características leva, certamente, a uma tomada de decisão pouco precisa.
Entretanto, é importante notar que isso não significa abrir mão de um processo que seja direcionado por dados, só que esses dados não são dados quantitativos, estatísticos, mas sim evidências qualitativas extraídas de observações.
Obviamente as interações reais, como conversas presenciais, por exemplo, ainda estão sujeitas a vieses, como qualquer comportamento humano. Nem por isso a ferramenta perde o valor, mas é essencial que as possibilidades de vieses e heurísticas sejam reduzidas ao máximo. Pensamentos enviesados são confortáveis, e por isso mesmo eles devem ser evitados.
Passada a vontade de fazer um formulário online:
Problema do cliente: outros erros muito comuns
Como foi dito, conversar ao invés de fazer um questionário estático traz informações mais valiosas sobre o seu público-alvo, e esse acréscimo na qualidade da informação possibilita um acréscimo na qualidade da tomada de decisão posterior. Mas, trocar um meio pelo outro não é garantia de sucesso e é preciso estar atento aos principais erros cometidos nessas entrevistas.
O erro que os empreendedores mais cometem é fruto do mesmo viés de confirmação que atua nos formulários online, e se manifesta em perguntas do tipo:
“Você sente o problema que eu estou tentando resolver?”
Esse tipo de pergunta, num primeiro nível, restringe as possibilidades de respostas possíveis, já que o entrevistado tende a responder ela satisfatoriamente com uma frase apenas. Num segundo nível, além de restringir, ela induz uma resposta, o que significa um perigoso falso positivo na hora de analisar as respostas.
Uma alternativa bastante ilustrativa a perguntas desse tipo é algo como:
“Me conte como foi a última vez que você teve que fazer tal tarefa?”
E, a partir daí, aprofundar mais nos aspectos que o cliente, espontaneamente, destacar na resposta dada. Perguntas recordativas (essas que questionam eventos passados) induzem o entrevistado a basear a sua resposta em uma ação real, portanto mais verdadeira.
Lembrem-se: pesquisa exploratória é um processo divergente, e restringi-lo a um número finito e conhecido de respostas enfraquece essa característica divergente das pesquisas. Use perguntas fechadas com bastante cuidado, principalmente para confirmar ou consolidar uma pista dada pelo entrevistado anteriormente.
Outro erro muito comum, e bastante tentador é falar ou tentar vender a sua solução. Uma entrevista de validação não é o ambiente ideal para isso, apesar de poder servir como um protótipo de partes do processo comercial, como veremos a seguir.
A primeira consequência de falar da sua solução durante a entrevista é que isso pode induzir respostas, seja por remeter às necessidades que a sua solução supre, seja por induzir um comportamento piedoso do cliente, que pode se sentir desconfortável para indicar o que não faz sentido no seu modelo de negócio.
Via de regra introduza a conversa com uma explicação genérica do que é a sua empresa, ou do motivo pelo qual está tendo aquela conversa, e não retome o assunto da sua solução ao longo da entrevista. Você terá novas oportunidades de oferecer a sua solução para aquele cliente, principalmente agora que já conseguiu estabelecer uma conexão.
Portanto, foque no real objetivo da conversa: entender o problema do cliente!
Com isso, trabalhamos os equívocos mais comuns que os empreendedores cometem quando buscam validar as hipóteses essenciais do negócio.
Na parte 2 deste artigo vamos trabalhar os principais aspectos relacionados à execução dessas pesquisas exploratórias, desde a preparação, até o processamento dos dados.
1 comentário em “Pesquisa Exploratória: conhecendo o problema do cliente”
Durante o processo de empreender, devemos conhecer o mercado, entender a realidade em nossa empresa estará submergida. Descrever e entender as personas que estarão envolvidas e relacionadas com nosso negocio se faz fundamental e as pesquisas exploratórias serão determinantes guias fundamentais na trajetória da startup.