O intraempreendedorismo pode ser abordado de vários ângulos. Reconheço que as melhores tentativas de defini-lo dão conta de aspectos atitudinais, comportamentais, culturais do empreendedorismo em organizações consolidadas. No entanto, quero me ater aqui a um sentido mais estrito do intraempreendedorismo: o ato de colocar no mercado novas soluções (bens ou serviços) que respondam a necessidades reais de pessoas reais.
É essa, afinal, a ação fundamental que permite às grandes organizações manterem-se relevantes quando o mundo muda. Parto da premissa (ilusória, eu sei) de que elas não apelam para métodos corruptos de manutenção do seu espaço oligopolístico, como o erguimento de barreiras regulatórias infundadas ou outras formas de relacionamento espúrio com o Estado.
Já deu para perceber que não tenho grande apreço pela sobrevivência das grandes organizações. Os ciclos de vida cada vez mais curtos, particularmente quando falamos de corporações, são uma boa novidade da nossa época. Sobrevivem aquelas que conseguem colocar-se como plataformas para as pessoas inovarem, se adaptando às complexidades desses colaboradores e, principalmente, dos mercados onde estão inseridas. As que morrem dão lugar a novas estruturas, muito necessárias em uma civilização que precisa se regenerar.
Feita a introdução filosófica, quero destacar quatro diferentes manifestações do intraempreendedorismo que tenho observado. Para facilitar, vou classificar essas formas de empreender segundo dois critérios:
- A inovação é gerada por uma equipe interna ou externa?
- A organização-mãe é sócia dessa equipe no novo negócio a ser desenvolvido?
1 – Interação com startups externas sem relação societária
Nessa categoria cabem vários tipos de relações com startups ou pequenas empresas inovadoras. A mais clássica de todas é a relação de fornecimento. Ser o primeiro cliente ou um dos primeiros clientes de um novo produto pode ser extremamente útil em termos de criação de vantagens competitivas, aquisição de competências e obtenção de condições de contratação favoráveis. Na minha visão, essa é uma prática ainda pouco explorada dentro de grandes organizações, que muitas vezes se preocupam demais em saber quais são as macrotendências dentro de seus mercados ou em ter um radar completo das inovações, mas não conseguem partir disso para a ação. A moda agora é patrocinar programas de aceleração de startups executados por terceiros, com o objetivo de fazer a empresa patrocinadora parecer atualizada e permitir que esteja um pouco mais próxima dessas startups, ainda de maneira pouco efetiva.
2 – Investimento em startups externas
Aqui entram os corporate ventures, fundos de investimento criados por grandes organizações para investir em startups. É um passo adiante, e também está na moda! Corporações costumam gastar um ano inteiro (ou mais) estruturando juridicamente um fundo e abrindo espaço na governança corporativa para poder fazer esse movimento. Poderiam começar esse trabalho usando mecanismos e veículos de investimento menos invasivos, como opção de compra e dívida conversível em participação. Se alguma startup investida realmente desabrochar, aí sim será a hora de criar o veículo mais robusto. Melhor deixar essa decisão para depois, não só para poder começar logo, mas também para ter mais informação na hora de estruturar o modelo. Outra atitude saudável é co-investir com outras grandes empresas da mesma cadeia.
Ah! Cooperativas ou organizações sem fins lucrativos (associações ou fundações) também podem atuar de maneira semelhante a corporate ventures, tá? Talvez precisem de uma mudança estatutária, mas recomendo deixar essa questão para quando já houver alguma startup que valha o esforço.
3 – Startups formadas por colaboradores, sem relação societária
Ok, vamos partir da premissa que sua organização já passou da fase dos concursos de ideias, competições de inovação e outras drogas leves, tá? Nelas, a empresa finge que inova e o funcionário finge que contribui com essa inovação (que sequer existe).
Agora você está querendo que seus colaboradores realmente desenvolvam novos produtos. A primeira medida é permitir que eles tenham (MUITO) tempo livre para fazer isso. Vai ser preciso combinar essa aventura com os gestores todos, aliviar as metas de um pessoalzinho destemido, permitir que eles errem muito e não deem resultado algum. Como assim? É isso aí. Se botar a pressão do resultado financeiro ou de evolução de market-share, não vai funcionar. A ideia aqui é que eles tragam aprendizado para o resto da organização. É o que chamamos de contabilidade da inovação. Quais hipóteses sobre as necessidades de nossos clientes se provaram verdadeiras? E, mais importante: quais não foram validadas? Por quê? O que deu errado? Que testes de mercado e quais métricas utilizamos para descobrir tudo isso? Lembre-se que startup nada mais é do que uma organização temporária (um grupo de pessoas) criada para investigar um novo negócio com potencial de crescimento.
Um aspecto importante é que essas startups internas sejam formadas por pessoas com vários backgrounds e oriundas de áreas diferentes. Também recomendo dar liberdade para essas pessoas se apresentarem a potenciais clientes como empreendedores de uma startup fictícia, com nome, marca e tudo mais, para não gerar expectativas em relação à organização-mãe. Outra boa prática é contratar alguém que já tenha empreendedido do zero para participar dessa equipe de rebeldes, que não precisa prestar contas da maneira como o resto da organização está acostumada. E não confunda startup interna com departamento de inovação! São coisas diferentes!
Em alguns setores, como alimentos e cosméticos, temos um desafio extra ligado a segurança. Se exigirmos que o novo produto siga todas as normas e tenha todas as licenças para ser testado no mercado, matamos a inovação na origem. O jeito é operar abaixo do radar, em escalas minúsculas, por um tempo. Lembre-se que as grandes empresas de alimentos um dia fabricaram na cozinha de casa ou no restaurante do amigo.
4 – Startups formadas por colaboradores que também são seus sócios
É coisa pesada. Pouca gente tem coragem de experimentar esse modelo.
Se você já tentou criar startups internas, sabe que é muito difícil alinhar interesses entre equipes de intraempreendedores e a organização-mãe. Na maior parte dos casos, é mesmo impossível criar um sistema de incentivos que funcione. O time de loucos acaba pegando nojo da estrutura burocrática, dos comitês de inovação que não aprovam nada muito ousado. Os melhores vão embora para serem startupeiros de verdade. E depois de um tempo ainda querem o emprego de volta. Um saco.
Enfim, hora de voltar àquelas questões culturais e comportamentais que mencionei lá no começo do texto. O que realmente pode mudar o jogo dentro da sua empresa é ter, um dia, uma estrutura de governança da inovação que seja leve e flexível. Que permita à organização-mãe ser sócia (majoritária ou minoritária, a depender do caso) de seus próprios colaboradores que, por sua vez, estão amarrados em uma espécie de contrato de vesting. Em outras palavras, se a startup começar a dar certo, a participação deles nos lucros do novo negócio cresce. Se der errado, diminui. E eles continuam tendo que repassar os aprendizados sobre o mercado investigado à mãe. Aqui é preciso avaliar várias formas de contratualização e considerar cláusulas como exclusividade, não-concorrência, entre outras. O risco legal e contratual vai ser grande, de qualquer maneira.
Não é para amadores, mas pode dar muito certo.
AÇÕES SUGERIDAS PARA A SUA CÉLULA DE INOVAÇÃO
As quatro formas de intraempreendedorismo que eu mencionei dependem de um elevado grau de engajamento por parte da alta gestão e até mesmo dos acionistas. Para você, que não é dirigente, e faz parte de uma célula de inovação em estágio inicial, elas podem servir como um objetivo futuro. Quem sabe um dia sua organização chega lá?
O que você pode fazer, então, para permitir que os primeiros passos sejam dados em cada uma das quatro possibilidades que descrevi acima?
1 – Escolha um problema gerencial ou operacional e promova casamentos com startups que resolvem, de alguma forma, esse problema. Sabe aquele sistema de folha de pagamento que nunca funciona na sua empresa? Ou aquela máquina que é sempre o gargalo da produção? Que tal procurar empresas inovadoras que vendam soluções que seriam compatíveis com esses desafios? Para conhecê-las, vá a eventos de startups, procure em diretórios como Startse, AngeList, Crunchbase e CB Insights.
2 – Forme um clube de investimento em startups com seus colegas. Você sabia que com 1000 reais você pode investir em uma startup, utilizando sites de equity crowdfunding como Broota e EqSeed? Se a empresa ainda onde você trabalha ainda não está pronta para investir, se junte a seus colegas e faça pequenos aportes para aprender com essa experiência.
3 – Organize conversas com early adopters. Sabe aquele vegano descolado que sua empresa sonha em ter como consumidor? O atleta que cuida da alimentação como ninguém? Os pais modernos que não têm tempo para cozinhar? Dividam-se e passem tempo com essas pessoas para conhecê-las melhor, sem o compromisso de ter uma ideia genial a partir desse convívio. Talvez possa surgir daí uma oportunidade de negócio para sua empresa.
4 – Mapeie a governança de inovação na organização onde você trabalha. Como são tomadas as decisões sobre inovação? Quem as toma? Quais os critérios? Com que frequência acontecem? Faça diagramas e mostre esse trabalho para os gestores.
Igor Oliveira foi sócio-fundador da Semente.
Publicado originalmente no site Sra Inovadeira na série “Como Estimular a sua Empresa a ser mais Inovadora”, dia 22 de agosto de 2017.
1 comentário em “Quatro formas de Intraempreendedorismo”
Gostei muito do artigo! Muito detalhado e bem explicativo… Show!