Muita gente vem me perguntar sobre o que eu faço na vida profissional ou no que consiste exatamente o meu trabalho no programa Acelera. A resposta que dou nunca é a mesma. Em parte, porque é complicado explicar no que consiste o trabalho de consultora de inovação para pessoas de fora do ecossistema.
Dependendo do meu interlocutor ou interlocutora, há uma adaptação na linguagem e na escolha de palavras para que eu consiga transmitir uma ideia mais precisa acerca do que eu faço, e para que eu consiga me fazer entender da melhor forma possível diante dos variados públicos.
Mas em grande parte a resposta para essa pergunta varia porque o próprio trabalho de consultoria é um que se transforma com o passar do tempo. Ser consultora de inovação hoje, em novembro de 2020, já significa algo muito diferente do que em março deste ano, quem dirá há um ano atrás, que foi justamente quando iniciei minha atuação junto às empreendedoras e empreendedores do programa Acelera.Inovação Social.
Neste período de um ano aprendi muito – muito mesmo! – e não só no sentido de um aprendizado variado, sobre uma grande gama e diversidade de assuntos, temas, conteúdos e setores, mas passei por um processo de aprendizado profundo, de crescimento pessoal, que impactou na minha forma de pensar e de agir no mundo.
Meu objetivo com este texto é resumir e compartilhar um pouco destes aprendizados com as demais colegas, empreendedoras e consultoras, da minha rede para consolidar e refletir conjuntamente sobre alguns destes processos de aprendizagem ao mesmo tempo em que colaboramos divulgando sobre o nosso trabalho e construindo colaborativamente o que eu acredito que possa vir a ser um ambiente mais inclusivo e próspero para o fomento e fortalecimento de negócios transformadores – sociais, de impacto, e de propósito.
Mas antes de partirmos para os principais pontos, vale antes uma breve contextualização sobre o programa do qual tive a honra de fazer parte e as demais organizações que estiveram comigo nesta jornada. Vamos lá?
Programa Acelera.Inovação Social
Contextualizando: o que é o Acelera.inovação social e porque precisamos de um olhar específico para os negócios de impacto
O Acelera.inovação social, abreviado aqui para seu apelido mais carinhoso – o Acelera – é um programa desenhado pela Semente Negócios e executado com recursos do FIIMP entre os meses de novembro de 2019 e maio de 2020.
Sua metodologia foi pensada para que pudesse rodar de forma totalmente remota – em um mundo pré-pandemia em que a mera ideia de acelerar negócios a partir de interações unicamente online soava como algo de outro universo e extremamente ambicioso.
Partimos da premissa de que o formato online permitiria ao programa ganhos relevantes em termos de capilaridade e diversidade, ou seja, ao reduzir os custos inerentes à presença física e oferecer uma entrega de conteúdo e suporte virtual de qualidade, ampliamos nossas possibilidades de alcance com o programa, sendo capazes de agregar em uma mesma turma empreendedores (e negócios) localizados do interior do Amazonas a capitais do Rio Grande do Sul.
No total, foram 11 negócios participantes, representativos de quatro macro-regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Sul e Sudeste), de capitais e de municípios do interior, com estruturas jurídicas variadas incluindo desde cooperativas e associações de produtores até empresas limitadas formalizadas e com atuação internacional.
Além da opção de rodar totalmente digital, duas outras teses orientaram o nosso trabalho: auxiliar na construção da Teoria da Mudança dos negócios e preparar os empreendedores para captação de investimento.
Entendemos que acelerar negócios com uma orientação específica voltada ao investimento preenchia uma lacuna identificada no ecossistema, qual seja: de um lado, recursos do investimento social privado disponíveis que não conseguiam encontrar negócios estruturados para sua aplicação; do outro, empreendedoras e empreendedores sociais sedentos por capital para validar seus modelos e/ou escalarem suas operações, mas sem encontrar os caminhos e a linguagem para acessarem os investidores.
Ao mesmo tempo, sabemos que existe uma diferença muito grande entre a realidade do Venture Capital e de startups que buscam esse tipo de aporte e as vivências dos negócios de impacto. Lugares de partida, paradigmas de sucesso, históricos, disponibilidade de tempo e outros recursos, e valores distintos alertavam para desafios e necessidades também distintas. Desde questões de linguagem até premissas enraizadas sobre o significado do dinheiro diferenciavam alguns destes atores.
Atrelado a tudo isso, um desafio extra: a necessidade de mensurar e comunicar o impacto positivo do seu negócio no ambiente e na sociedade como uma demanda do mercado de investimento. Por isso, resolvemos encarar o desafio de desenhar um cronograma e uma série de materiais específicos voltados para inovação social.
Assista a aula inaugural do programa Acelera.inovação social sobre o Caminho Empreendedor e a ciência do Lean.
Adaptação do programa Acelera na pandemia
Replanejamento em contexto de pandemia e o poder das redes
Os aprendizados com o programa e os resultados foram inúmeros, incluindo: a capacidade de nos reinventarmos como programa diante do novo contexto de pandemia, optando por:
- estender as rodadas de consultoria,
- rever o cronograma de conteúdos,
- orientar as pessoas empreendedoras a revisitarem seus modelos de negócio,
- desenvolver ferramentas e conteúdos sobre investimento, valuation, pitch e mensuração de impacto aplicáveis ao contexto e porte das organizações participantes.
Além da experiência de desenhar e rodar um evento de engajamento de atores e investidores estilo demoday totalmente virtual em maio deste ano – momento em que a grande maioria das empresas ainda estava começando a ouvir falar sobre zoom e outras formas de interação virtual.
O programa contou com uma série de oficinas online (workshops) baseadas na metodologia Semente do Caminho Empreendedor de Impacto, com especialistas e atividades orientadas aos seis estágios de validação e tração de negócios inovadores.
Além disso, as empreendedoras e empreendedores contavam com o apoio de uma rede de mentores técnicos parceiros da Semente, para apoiá-los na superação de desafios específicos dos seus negócios – desde marketing até logística.
Atravessando tudo isso, de ponta a ponta, os empreendedores seguiram na jornada orientados por encontros de consultorias periódicas, junto a um consultor Semente, do início ao fim do programa.
Além de dar cadência ao processo e garantir um olhar atento e individualizado aos desafios dos negócios, os encontros das consultorias também tinham como objetivo a construção de uma inteligência coletiva entre consultor e empreendedor, retroalimentando a produção de conteúdo e o desenvolvimento de novas frentes de trabalho dentro do programa.
Por exemplo, se uma empreendedora trouxesse para as consultorias desafios profundos sobre a gestão do seu time, acionamos a nossa rede interna e externa em busca de outros empreendedores que já tivessem superado desafios semelhantes ou fossem especialistas no tema para um webinar ou uma roda de conversa com a turma, agregando assim novos talentos, olhares e produzindo novos conteúdos de forma iterativa com os beneficiários ao longo de todo o programa.
Aprendizados como consultora
O caminho é feito para se caminhar e a potência das trocas
Como mencionei anteriormente, trabalhar como consultora de inovação social é um grande privilégio. Não só pela diversidade de temas envolvidos e pela possibilidade de contribuir com a transformação social e ambiental, mas principalmente pelas oportunidades constantes de trocar e aprender junto a pessoas incríveis.
Empreendedores e empreendedoras sociais que sonham grande e que vivem suas vidas comprometidos com a geração de valor compartilhado e em impactar o mundo de forma positiva, lideranças à frente de negócios e projetos inspiradores, cheios de propósito.
Acompanhar estas pessoas em suas trajetórias profissionais me fez refletir sobre minha própria jornada de entusiasta e de apoiadora destes empreendimentos e ao fazê-lo cheguei em cinco considerações sobre o nosso papel como agentes deste ecossistema e contribuintes para um propósito maior de transformação da sociedade.
O processo de empreender é uma construção conjunta – assim como as consultorias que apoiam esta jornada
Empreender um negócio não é fácil; se for um negócio de impacto, é mais difícil ainda. Sozinho, muitos dirão que é impossível. Na jornada de desenvolver negócios de impacto, é comum empreendedores e empreendedoras buscarem construir uma rede próxima e robusta que os apoie neste caminho muitas vezes tortuoso. Sócios, parceiros, consultores, mentores e conselheiros são algumas das figuras que compõem estas redes.
No entanto, diferente do que muitos pregam, o trabalho da pessoa consultora não é o de saber e entregar todas as respostas e soluções em uma bandeja. O processo de consultoria é, na verdade, um fluxo em duas vias. Seus objetivos e bases são co-criados a cada sessão em conjunto pela consultora e empreendedora(s). Este alinhamento se dá desde o princípio, desde o primeiro contato, baseados nos princípios da horizontalidade, da honestidade e da transparência.
A doação de tempo é de ambas as partes, bem como as trocas de energia. Se eu não estou totalmente 100% ali, não posso exigir dos empreendedores que eles estejam e para que possamos alcançar os resultados esperados é preciso que ambas estejam engajadas e comprometidas com o processo.
Um consultor que alega ter todas as respostas e promete entregá-las em uma fórmula mágica, de cima para baixo, para quem quer que seja muito provavelmente é alguém com quem se deve ter um pé atrás.
Liderar tem tudo a ver com facilitar processos e apresentar exemplos
Muito importante para o engajamento e funcionamento do processo de consultoria é que os acordos estabelecidos entre as partes sejam cumpridos por todos os envolvidos. No entanto, é necessário que seja entendido desde o princípio que estas combinações não estão ali pelo programa em si e nem para atender a um desejo da figura da consultora, mas em prol do sucesso e avanço dos próprios negócios.
O programa de aceleração e as consultorias são apenas um meio para despertar e alavancar o potencial empreendedor que cada uma das participantes tem de melhor.
A consultoria não é sobre cobrar por entregas, como muitas vezes acontece em cursos e ambientes educacionais mais tradicionais. É sobre facilitar experiências de aprendizagem que contribuam para o fortalecimento do negócio e do indivíduo.
Assim, os acordos e objetivos do processo de consultoria são desenhados conjuntamente. De um lado, o consultor ou consultora aporta seu profundo conhecimento sobre a metodologia e que já viu o mesmo problema de diferentes ângulos por múltiplos negócios. Do outro, o empreendedor ou empreendedora traz todo o seu conhecimento sobre o negócio e sua vontade e abertura para buscar o aprofundamento e a prática das atividades propostas.
É normal que a pessoa empreendedora busque na consultora uma fonte de referências, não só de repertório mas de comportamentos e atitudes. Isso muitas vezes acontece inconscientemente, inclusive. Por isso, é importante que o consultor utilize do seu melhor para despertar o melhor dos demais. Entusiasmo, propósito, disponibilidade, engajamento e pró-atividade não são apenas palavras bonitas, mas elementos centrais que compõem o mindset necessário para se empreender e que também deve ser exemplificado pelas atitudes do próprio consultor.
Cultivar esse tipo de postura e comportamento vai desde o compromisso com os horários e acordos estabelecidos – ser pontual com o início das sessões, manter a agenda e os sprints organizados, etc. – até segurar a barra da motivação e colocar a mão na massa junto quando necessário.
A aprendizagem empreendedora é uma mistura de troca, troca e mais troca
Foi Paulo Freire quem disse que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Esta frase tem muita relação com o que significa empreender e com o papel da consultoria neste processo.
Não se trata de educar, mas de aprender junto. Na Semente, estamos alinhados à missão de distribuir capabilidades de inovação por meio da educação empreendedora. Entendo aqui que educação é justamente este processo de aprendizado conjunto, da criação dos espaços e construção das ferramentas para que novos conhecimentos possam emergir.
E nas horas de consultoria com os empreendedores é este processo que cultivamos e que vemos acontecer. Seja debruçadas sobre um canvas, revisando as agendas de sprint dos times ou em discutindo sobre como tornar mais diverso um mercado tradicionalmente dominado por homens, o combustível para avançar é a constante troca: de conhecimentos, de habilidades, de referências, de percepções.
A empatia e a confiança são os dois ingredientes principais para uma consultoria de sucesso
(junto com testes de hipóteses, pastas compartilhadas no google drive e um quadro kanban em ação)
O exercício da facilitação no ambiente de consultoria está relacionado ao conceito de rapport, um conjunto de técnicas comum ao universo de negócios baseadas na intenção de “construir um estilo de relacionamento próximo e harmonioso no qual indivíduos ou grupos estão em sintonia uns com os outros, entendem os sentimentos e ideias uns dos outros, e comunicam-se de maneira cordial”.
Construir rapport tem a ver com exercer a empatia, a escuta ativa e buscar resolver os conflitos que surgem de forma aberta e com honestidade.
Os encontros de consultoria nunca são iguais, e em parte isso se deve às transformações pelas quais os empreendedores passam ao longo do processo. Digo que tão importante quanto as duas horas quinzenais de sessão de trabalho é o tempo e as atividades realizadas entre elas. Há uma curva de aprendizagem e de transformação dos indivíduos e da própria relação que se constrói.
Um dos momentos-chave desta curva é o ponto de virada em que se estabelece uma verdadeira empatia entre consultor e empreendedor, em que os laços de confiança se fortalecem e abre-se um espaço novo para que os desafios profundos possam emergir e ser trabalhados. Uma das empreendedoras com quem trabalhei costumava dizer que nós fazíamos “terapia de negócios” – um dos reconhecimentos mais gratificantes do meu trabalho, dada minha admiração profunda pela profissão exercida pelos psicólogos e psicólogas.
Para que esta relação de empatia e confiança possa se estabelecer e o processo de consultoria trazer bons frutos, é importante que a pessoa consultora esteja aberta e atenta a todos os elementos trazidos pelos empreendedores, que seja capaz de instigar e fazer as perguntas certas, e de levar em consideração que apesar de estarmos mergulhados em um universo de dados e testes de hipóteses, empreendedores de impacto são antes de antes de mais nada seres com sonhos, desejos e medos e que a empatia e o respeito a estes aspectos emocionais é tão importante quanto as técnicas de gestão e de marketing escolhidas.
Ritual (cadência e espaço seguro, compromisso consigo mesmo), conteúdo e facilitação
Parte importante do trabalho de consultora é estar sempre buscando e compartilhando com os empreendedores ferramentas e conhecimentos que possam facilitar o seu trabalho. Se a empatia e a confiança são as bases de uma consultoria de sucesso, a validação de hipóteses, uma boa gestão das atividades e o acompanhamento dos objetivos e resultados esperados são o combustível e a bússola para manter o processo fluindo na direção esperada.
Toda consultoria deve vir acompanhada de uma orientação especializada, com forte embasamento metodológico e uma experiência transversal do consultor junto a variados negócios.
Ao não estar diretamente envolvido na operação e no “risco” inerente ao empreender e por já ter vivenciado dilemas similares de diferentes ângulos na sua trajetória, o consultor ou consultora consegue trazer para a mesa uma frutífera combinação de experiência acumulada, bagagem metodológica e orientação objetiva.
Isso permite que mesmo empreendedores e empreendedoras que estejam iniciando consigam trilhar seu caminho de forma menos tortuosa, ao terem acesso aos “atalhos” e ferramentas auxiliares que facilitam determinados processos e ajudam a superar desafios comuns do universo do empreendedorismo.
Conclusão
A conexão verdadeira só acontece quando você se permite afetar; para isso precisa se mostrar e ser verdadeiramente vulnerável.
Ninguém conhece melhor o próprio negócio do que a empreendedora ou empreendedor que está à sua frente. É muito “fácil” encontrar consultores que por não estarem arriscando a própria pele se sentem demasiadamente confortáveis em “dar conselhos” para os outros, dicas e sugestões mirabolantes e audaciosas que muitas vezes eles próprios não colocariam em prática.
Esta talvez seja a principal diferença entre uma “consultoria de palco” e uma consultoria de impacto. A primeira alega ter todas as respostas e chaves para o sucesso, mas admite não estar incorrendo em nenhum tipo de risco caso estas se provem incorretas.
Já a consultoria de impacto está comprometida em alavancar a transformação social por meio dos negócios que apoia, e faz isso trazendo para a mesa as perguntas certas, ajudando a evidenciar os resultados trazidos pelos dados coletados e facilitando a construção de um ambiente colaborativo e propício para a inovação social.
Como parte da formação pela qual nós passamos na Semente Negócios para atuar como consultores e consultoras de inovação, olhamos e aprendemos sobre três grandes componentes: princípios, habilidades e comportamentos do Caminho Empreendedor; metodologias de desenvolvimento de negócios inovadores e de impacto; e a atuação como lideranças facilitadoras.
Meu trabalho como consultora de negócios de impacto no programa Acelera me permitiu experimentar profundamente cada um destes três elementos, entendendo a importância de cada um e a potência transformadora de quando eles são exercidos em conjunto.
É fato que o nosso mundo precisa de uma transformação urgente. Esta passa pela forma como nos relacionamos com os recursos do planeta e também uns com os outros.
Aprendi, acima de tudo, que para alavancar o impacto positivo das nossas ações precisamos aprender a trabalhar juntas, não apenas lado a lado, mas de forma colaborativa, permitindo-se afetar e crescer em conjunto no decorrer da trajetória.
Esse texto foi escrito por Luciana Brandão, consultora da Semente.