A urgência de discussões e aplicações de estratégias voltadas para a sustentabilidade já não é mais novidade para ninguém. Questões relacionadas ao meio ambiente ocupam as pautas dos debates internacionais há mais de cinquenta anos, chamando a atenção de líderes políticos e da sociedade em geral para problemas como o buraco na camada de ozônio, o desmatamento das florestas tropicais e, mais recentemente, as mudanças climáticas.
No entanto, nos últimos anos, a preocupação ambiental deixou de ser apenas a coadjuvante das reuniões de alta cúpula para tornar-se a personagem principal de um debate acirrado, cujo desfecho coloca em risco o futuro de todos os habitantes do planeta Terra. É nesse contexto que também surgem as discussões em torno da sustentabilidade corporativa.
A agenda do Fórum Econômico Mundial de Davos de 2020 é, mais do que sinal sobre esta mudança de paradigma, a confirmação de que a preocupação com o tema da sustentabilidade tornou-se um imperativo para qualquer organização que queira continuar existindo na nova década. Em 2020, a maior reunião de líderes e stakeholders da economia global teve como principal tema a “construção de um futuro sustentável”, organizando sua agenda em tópicos como “formas de salvar o planeta” e “tecnologias para o bem”.
Diante disso, faz sentido que diretores e gestores de empresas, especialmente aquelas atuantes em países como o Brasil, estejam se perguntando: mas afinal de contas, o que existe de tão especial agora? Por que de repente este assunto que, até então era apenas preocupação da área de responsabilidade socioambiental da minha organização, passou a ser o centro da discussão em todas as reuniões de diretoria?
A resposta para essas perguntas começa por entender o papel que a sustentabilidade corporativa ou sustentabilidade empresarial ocupa no mundo dos negócios.
Mas o que é sustentabilidade corporativa?
É importante destacar que sustentabilidade corporativa não é sinônimo de responsabilidade social corporativa. Embora ambas tenham em comum um olhar atento para as questões sociais e ambientais em uma empresa, se diferenciam tanto na forma de compreender os problemas e desafios a serem enfrentados, como também no modo que se integram à estratégia geral da organização.
Os departamentos tradicionais de responsabilidade social buscam identificar e apoiar ações e projetos pontuais, direcionando parte do orçamento do negócio para causas sociais. Neste ponto, é comum ver iniciativas de voluntariado, vínculos com ONGs e outros projetos sem fins lucrativos, como aulas de esporte para crianças ou oficinas de música.
Nesse sentido, os setores de responsabilidade social são muito mais voltados a uma visão do terceiro setor do que para a busca por um modelo de negócio de impacto que seja sustentável. O impacto social ou ambiental é compreendido aqui como uma externalidade da empresa – algo importante a ser feito pelo bem comum, mas que não está diretamente conectado ao núcleo da organização.
Já a sustentabilidade corporativa emerge, mais recentemente, trazendo os princípios da inovação social na sua base, buscando de fato transformar o modelo de negócio das corporações de modo a integrar os pilares social, ambiental e econômico nos múltiplos níveis de governança. Ao invés de apoiar causas isoladas e desconexas, a sustentabilidade corporativa baseia-se na proposta de valor da empresa e busca conectar diretamente os princípios dos negócios de impacto aos desafios centrais da organização.
A sustentabilidade pensada para o universo corporativo internaliza os impactos sociais e ambientais positivos da empresa, transformando-os em novas fontes de ganhos. Ao mesmo tempo, está comprometida em buscar uma performance econômica e financeira lucrativa de modo a contribuir para o negócio aumentar sua vantagem competitiva ao longo do tempo.
Veja, por exemplo, o caso do Instituto C&A. Desde o seu surgimento, a organização apoiou uma série de diversos projetos sociais no Brasil, especialmente no ramo da educação, com o propósito de valorizar as pessoas e as comunidades dos territórios onde a empresa atua.
No entanto, nos últimos anos, alinhando-se às premissas da sustentabilidade corporativa, o Instituto e demais áreas estratégicas da marca uniram-se para revisar sua forma de atuação e desenvolver uma nova tese de impacto, reorganizando seu investimento em torno de uma visão única e conectada à proposta de valor e ao modelo de negócio da C&A: “tornar a moda uma força para o bem”. Foi assim que a empresa se destacou como líder no seu setor, apoiando a estruturação da cadeia de valor do algodão sustentável, da moda circular e do trabalho justo e sendo a empresa brasileira melhor avaliada de acordo com o Índice de Transparência na Moda, divulgado pelo Fashion Revolution ano passado.
Dessa forma, a sustentabilidade corporativa é definida como:
Um paradigma de gestão inovador, que conecta de forma estratégica dentro de uma empresa a busca por crescimento e lucro com os pilares do desenvolvimento sustentável de equilíbrio ambiental, justiça social e desenvolvimento econômico com o objetivo de gerar melhores resultados de longo prazo para seus múltiplos stakeholders.
Todos estão olhando para a sustentabilidade corporativa, e com uma calculadora na mão
E quando digo todos, quero dizer realmente todos – inclusive os principais gestores de fundos de investimento do mundo. Há algum tempo, Larry FInk, CEO da BlackRock (a maior gestora de fundos de investimento da atualidade, com uma carteira de aproximadamente U$ 6,5 trilhões em ativos), vem defendendo uma estratégia social e ambientalmente responsável para os negócios. Mas foi somente em 2020, poucos dias antes do Fórum de Davos, que ele divulgou a carta anual da BlackRock para os CEOs das empresas que recebem seu investimento, sendo bastante direto: a sustentabilidade corporativa será o guia para suas decisões de investimento, e uma de suas ações será forçar a retirada da BlackRock de certos investimentos que “apresentam elevados riscos relacionados à sustentabilidade”.
Outros pontos que a gestora chama atenção para 2020, é a importância de as empresas serem capazes de mensurar os resultados das suas ações de sustentabilidade, trazê-las para o centro da sua estratégia geral de governança e estarem atentas aos riscos derivados das mudanças climáticas globais. No vídeo a seguir, o diretor global de investimento sustentável da BlackRock fala sobre a bottom line para 2020:
Essa decisão não é um movimento isolado de apenas um dos líderes do mercado financeiros. É, na verdade, uma tendência global que pode ser vista direcionando o fluxo de capital e as ações de investimento nos mais diversos setores. Tendo os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) como guia e a preocupação com a sustentabilidade em seu cerne, várias empresas investidoras e fundos vêm tomando ações similares. Em 2019, a Business Roundtable que reúne as maiores corporações norte americanas, lançou um manifesto reafirmando seu compromisso com a sustentabilidade empresarial, o qual teve 181 signatários totalizando, juntos, 16,2 trilhões de dólares em ativos. Empresas como Amazon, Apple, Coca-Cola estão entre as que assinaram o compromisso.
Além disso, os principais índices de performance financeira do mundo já estão incorporando em suas métricas indicadores relacionados à sustentabilidade empresarial. Indexado à bolsa de Nova Iorque, o Dow Jones Sustainability Index (DSJI) é o primeiro índice a avaliar a sustentabilidade corporativa desde 1999, e listar de forma recorrente as empresas com melhor performance em sustentabilidade nos diversos setores da economia. Na última listagem, publicada em 2019, destacam-se empresas como a HP, liderando o setor de computadores e eletrônicos de escritório e o Santander no setor bancário.
Outras publicações como o Global Compact LEAD (Pacto Global da ONU), o Ranking Global 100, (Corporate Knights) e o Guia Exame de Sustentabilidade, referência no Brasil, contribuem para construir a forma como o mercado enxerga as empresas e, por consequência, toma suas decisões de consumo e de investimento.
O que é preciso para uma empresa ser considerada sustentável?
Cabe ressaltar que ser uma empresa sustentável vai muito além de apenas demonstrar uma preocupação com o meio ambiente ou com causas sociais. Essa noção profunda de sustentabilidade corporativa requer que as empresas incorporem em seu âmago uma cultura de transformação que inclui os mais diversos aspectos, como o incentivo à igualdade de gênero, inclusão racial e diversidade sexual, promoção de direitos humanos ao longo de toda sua cadeia produtiva, salários e pagamentos justos a seus fornecedores, respeito às normas ambientais e utilização de matérias-primas alinhadas aos princípios da economia regenerativa, entre outros.
Publicações como essas se popularizam cada vez mais, ganhando espaço e autoridade em todos os setores da economia. Sua robustez na avaliação das empresas e o olhar analítico integrado para as questões ambientais, sociais e de governança (ESG, do inglês environmental, social and corporate governance) comprovam que, para uma empresa consolidar a sua marca como sustentável, já não basta apenas se posicionar como simpática às causas sociais e ambientais.
Algumas empresas ainda buscam comunicar a sua proposta de valor utilizando a sustentabilidade como “rótulo” para angariar novos consumidores conscientes. Mas deixam de incorporar às suas estruturas de governança e ao centro do seu modelo de negócio os pilares de uma cultural ambiental e socialmente justa e inclusiva. Então, acabam sendo penalizadas pelo mercado.
Daí o surgimento e difusão de termos como green washing, utilizado pejorativamente pelo mercado de produtos sustentáveis para se referir a empresas e marcas que utilizam “selos verdes” e outras formas de certificação para mascarar seus impactos negativos e colherem os benefícios dos consumidores menos informados na hora da decisão de compra.
Os resultados desse tipo de ação acabam sendo negativos e perigosos para as marcas. Muitas vezes, carregam boas intenções em seus setores de comunicação e responsabilidade empresarial mas sofrem as consequências de não terem uma estratégia de sustentabilidade corporativa alinhada à governança geral da organização.
Os caminhos para pôr em prática uma verdadeira estratégia de sustentabilidade corporativa
Quatro aspectos são fundamentais para você começar a construir uma boa estratégia de sustentabilidade corporativa na sua empresa ou organização:
1. Engajamento das lideranças e demais atores-chave: para a implementação de qualquer inovação em uma empresa, é imprescindível o alinhamento inicial entre as áreas de gestão e da diretoria que estão à frente dos diversos setores. A sustentabilidade corporativa não é uma ação pontual que pode ser delegada para o setor de marketing ou para a área de responsabilidade social. Embora sejam partes integrantes, para que a transformação seja efetiva e possa trazer os resultados esperados, é importante que a visão de futuro seja desenhada em conjunto com todos os tomadores de decisão.
2. Transparência dos dados para tomada de decisões conscientes: a construção de uma estratégia sustentável não se dá a partir de intuições ou do feeling dos colaboradores. A organização e análise aprofundada dos dados da organização são essenciais para fornecer as evidências qualitativas e quantitativas que servirão de guia para o desenho de uma estrutura que faça sentido social e também economicamente para a organização.
3. Olhar para o futuro comum sem perder de vista o modelo de negócio: para que uma empresa possa transicionar de um modelo tradicional de crescimento para um modelo sustentável, ela precisa primeiro ter clareza sobre onde quer chegar – e que diferença quer e pode trazer para a sociedade.
Para isso, é importante desenhar a tese de impacto e a teoria da mudança da organização, permitindo aos gestores enxergarem de onde estão partindo, onde querem chegar, e quais habilidades e competências serão necessárias desenvolver ao longo do caminho. A construção de uma teoria da mudança robusta é essencial para minimizar os riscos derivados da incerteza que emergem naturalmente ao longo do processo, bem como identificar as potencialidades e ativos que a organização carrega e que podem ser utilizadas para lhe conferir vantagens ao longo do processo.
4. Mensuração, avaliação e comunicação do impacto: uma estratégia eficaz prevê desde o princípio os indicadores-chave para mensurar o impacto dos projetos e programas desenvolvidos, permitindo aos gestores coletarem os dados e informações acerca do retorno sobre o investimento realizado.
Ferramentas como um lean frame para avaliação de impacto são desenhados especificamente levando em consideração o contexto de cada organização e instruindo como será feito o acompanhamento do impacto gerado. Esses elementos também fornecem os insumos para uma comunicação ativa da empresa, para que ela seja capaz de contar para o mundo com dados reais sua verdadeira história de impacto.
Na Semente Negócios, trabalhamos com consultoria especializada em inovação social, ajudando sua organização a construir e implementar uma estratégia de sustentabilidade corporativa própria. Desenvolvemos metodologias próprias para a construção da sua Tese de Impacto, Teoria da Mudança e do Lean Frame para avaliação de impacto. Vale a pena conferir!