Imagine duas empresas: uma fábrica de carvão ativado, a partir do endocarpo do coco de babaçu, fazendo uso integral do produto apoiando as comunidades locais que o produzem. A outra é uma gigante de tecnologia que, além de vender softwares, planta árvores para compensar emissões. Ambas geram impacto, certo? Mas apenas uma delas não existiria se retirássemos sua causa social da equação. Essa é a linha fina (e crucial) que separa os negócios de impacto de negócios com impacto. Uma diferença onde muitas pessoas empreendedoras se confundem ao criar seus negócios.
Não se trata de “fazer o bem” como modismo. Mas de decidir como o propósito se relaciona com o lucro. Enquanto negócios de impacto nascem para resolver problemas urgentes, negócios com impacto incorporam responsabilidade social como parte de uma estratégia inteligente – e ambos são essenciais para as transformações que o mundo precisa.
A questão não é qual caminho é “mais nobre”, mas qual se alinha ao seu objetivo final. Fazer uma escolha pode significar conflitos com investidores, falta de autenticidade no mercado ou (pior) um legado que se dissolve no greenwashing.
A seguir, vamos explorar essas diferenças, esclarecer alguns mitos e mostrar como cada um desses modelos pode contribuir para um mercado mais sustentável e socialmente responsável.
Negócios de impacto: quando o propósito move tudo
Um negócio de impacto nasce para resolver um problema social ou ambiental através do seu core business. Não é sobre “fazer o bem”, como um projeto paralelo. Mas sobre respirar impacto desde a primeira linha do plano de negócios. Se você tira esse propósito, a empresa desmorona – porque sem isso ela não existe.
O impacto não é um efeito colateral positivo nem um adicional no modelo de negócio — ele é a razão de existir da empresa.
Nesse sentido, o produto ou serviço oferecido está diretamente ligado à solução de uma questão social ou ambiental urgente. Mas é importante destacar: um negócio de impacto não é uma ONG. Ele precisa ser financeiramente sustentável, gerar receita e se manter de pé sem depender exclusivamente de doações ou subsídios.
Além disso, ele precisa comprovar que seu impacto realmente acontece, medindo seus resultados com indicadores concretos.
3 pilares dos negócios de impacto:
- Intencionalidade: A empresa nasce com o propósito de gerar impacto. A missão social/ambiental é inegociável, mesmo que isso signifique crescer mais devagar.
- Sustentabilidade financeira: A empresa precisa gerar receita suficiente para manter suas operações sem depender apenas de doações.
- Medição de impacto: O impacto social ou ambiental precisa ser mensurável e comprovado. Não basta dizer que faz o bem. É preciso provar, com métricas como redução de CO₂ ou geração de emprego em comunidades, por exemplo.
Exemplo de negócio de impacto: Nuu Alimentos
A Nuu Alimentos é um exemplo claro de negócio de impacto. Fundada por Rafaela Gontijo, a empresa produz alimentos congelados, como pães de queijo e biscoitos, utilizando um modelo de produção sustentável e regenerativo. O grande diferencial da Nuu está no impacto direto que gera na cadeia de produção de alimentos, promovendo a agricultura regenerativa, o uso de ingredientes de pequenos produtores e práticas sustentáveis em toda sua operação.
Desde o início, a Nuu foi criada com o propósito de mudar a forma como os alimentos são produzidos no Brasil. Mais de 80% dos fornecedores da empresa estão em um raio de 40 km da fábrica, reduzindo a pegada de carbono. Além disso, a Nuu investiu em energia fotovoltaica, captação de água da chuva e na substituição da farinha de trigo por mandioca, valorizando ingredientes nativos e promovendo a biodiversidade.
Se a Nuu Alimentos deixasse de atuar dessa forma, seu modelo de negócios entraria em colapso, pois seu impacto ambiental e social não é um extra, mas sua essência.
Negócios com impacto: incorporando responsabilidade socioambiental às demandas de mercado
Diferente dos negócios de impacto, os negócios com impacto são empresas que não têm impacto social ou ambiental como seu propósito principal – mas adotam práticas sustentáveis e responsáveis. O produto ou serviço que oferecem pode ser de qualquer setor, mas sua forma de operar busca minimizar danos ou gerar benefícios sociais e ambientais.
Esses negócios adotam iniciativas como:
- Neutralizar carbono das operações
- Criar programas robustos de diversidade e inclusão
- Uso de matérias-primas sustentáveis
- Modelos de governança corporativa mais éticos e responsáveis
- Doar parte do lucro para causas sociais
São ações valiosas, mas desconectadas do produto principal. Funcionam como um “plus”, demonstrando um compromisso com um modelo de negócios mais responsável.
Exemplo de Negócio com Impacto: Natura
A Natura atua no setor de cosméticos, que por si só não resolve um problema social ou ambiental urgente. No entanto, adota práticas sustentáveis ao longo de toda a sua cadeia produtiva, como o uso de ingredientes naturais e biodegradáveis, políticas de diversidade e o incentivo a práticas de comércio justo com comunidades fornecedoras de matéria-prima.
Se a Natura abandonasse essas práticas, sua reputação e diferencial competitivo seriam prejudicados, mas a empresa continuaria existindo como um negócio de cosméticos.
Propósito desde o primeiro dia: por que essa decisão define tudo?
Um dos maiores desafios para pessoas empreendedoras de impacto é tomar as decisões certas desde a fundação do negócio. Não dá para ser “meio impacto, meio lucro”. Afinal, definir desde o início se o empreendimento será de impacto ou com impacto muda completamente a trajetória da empresa.
Muitos negócios começam sem essa clareza e acabam se tornando híbridos, tentando equilibrar um discurso de impacto com uma busca por escalabilidade a qualquer custo. Isso pode levar a conflitos estratégicos, especialmente quando chegam ao momento de captar investimentos. Sem um modelo de negócio e propósito claros, essa jornada que já é difícil fica ainda mais complexa.
É nessa fase que a diferença entre startups de e com impacto e unicórnios tradicionais – por muito tempo vistos como o exemplo de empreendedorismo a ser seguido – se torna evidente. A partir de uma pressão mercadológica pela escalabilidade. No mundo das startups, unicórnio é o termo usado para empresas avaliadas em mais de um bilhão de dólares que ainda não estão listadas na bolsa. Esses negócios crescem rapidamente e captam grandes volumes de investimento para expandir.
O problema é que o modelo tradicional de startups unicórnio muitas vezes prioriza a maximização do lucro e do crescimento acima de qualquer outro valor. O impacto social ou ambiental pode até ser parte inicial do negócio, mas, na prática, muitas empresas acabam deixando esses compromissos de lado para atender às demandas dos investidores.
Negócios de impacto, por outro lado, não podem “se dar ao luxo” de abandonar sua missão. O desafio é encontrar investidores que entendam essa lógica e estejam dispostos a financiar um crescimento sustentável, em vez de exigir uma escalabilidade rápida a qualquer custo.
Impacto real exige escolhas reais
A pergunta final não é “qual modelo é melhor?”, mas “qual se conecta com o legado que você quer deixar?” Negócios de impacto são como faróis: iluminam um caminho específico, muitas vezes inexplorado, e desafiam o status quo.
Negócios com impacto são como redes: espalham mudanças de forma orgânica, influenciando setores inteiros a partir de dentro.
Ambos são fundamentais. Enquanto um avança em soluções para problemas urgentes, o outro transforma aos poucos a engrenagem do sistema. O que não funciona é o meio-termo. Discursos vazios de “mudar o mundo” sem métricas reais, ou práticas de impacto que são meros acessórios de marketing.
Para pessoas empreendedoras, a lição é clara: defina seu propósito desde o primeiro pitch. Assim, cada escolha – do fornecedor ao investidor – reforçará quem você é. Porque, no fim, o impacto não é sobre parecer bom, mas sobre construir algo que permaneça.