Antes de irmos direto ao ponto – o que é Governança da Inovação e como desenvolvê-la –, é necessário retomarmos brevemente o conceito de Governança. Ele surgiu na Inglaterra, em meados dos anos 90, oriundo principalmente de três fatores: 1) O agigantamento das empresas; 2) A separação entre o detentor do capital (acionistas) e a gestão dessas empresas, o que chamamos de conflito de agência; e 3) As fraudes envolvendo grandes empresas de auditoria e corporações.
Todos esses fatores resultaram na necessidade de uma nova sistemática de gestão. Uma que conseguisse englobar a operação do dia a dia da empresa, garantindo os investimentos necessários para o seu crescimento, mas que também pudesse salvaguardar os interesses de pessoas que não estavam ligadas a essa operação, como os acionistas.
Dessa forma, surge o termo Governança Corporativa, que ficou mais conhecido a partir dos anos 2002, por meio da Lei norte-americana Sarbanes-Oxley (SOx). Esse novo modelo de gestão se refere aos processos e estruturas de autoridade pelos quais as organizações alocam seus recursos, coordenam suas atividades e monitoram seus resultados.
Grandes autores defendem que o maior objetivo da Governança Corporativa é garantir que os indivíduos da corporação atuem de maneira adequada para atingir os principais objetivos relacionados aos stakeholders. Na prática, os mecanismos de governança precisam combinar a capacidade de pensar estrategicamente com o papel de mediação entre todas as partes interessadas. Ou seja, sócios, colaboradores, sociedade, investidores etc.
Afinal, o que é Governança da Inovação?
A Governança da Inovação nada mais é do que a reorganização dos princípios da Governança Corporativa em prol da inovação. Um modelo de Governança da Inovação descreve como a equipe de gerenciamento de uma empresa opta por alocar responsabilidades e recursos para a inovação dentro de uma organização.
O termo começou a ser mais utilizado depois de um estudo desenvolvido pelos professores Jean-Philippe Deschamps e Beebe Nelson, da Universidade Corporativa da Suíça (IMD). O estudo foi publicado no livro Innovation Governance: How Top Management Organizes and Mobilizes for Innovation (sem tradução para o português), em 2013.
Foram analisadas mais de 130 corporações dos Estados Unidos e da Europa em termos de organização interna para trabalhar com o tema da inovação. Os resultados obtidos nesta experiência foram oito modelos que hoje são amplamente utilizados ao redor do mundo.
De acordo com os autores, embora o termo Governança da Inovação ainda não seja tão difundido, a maioria das empresas reconhecidas como mais inovadoras gerenciam a inovação segundo um modelo organizacional que vai além de um simples modelo de gestão. Envolve a filosofia empresarial e o comprometimento da alta liderança, o que faz com que a temática inovação se enraize na empresa.
Qual a importância de se ter um modelo de governança?
Um estudo publicado pela Accenture demonstra que organizações que adotam um modelo de Governança para a Inovação apresentam duas vezes mais resultados do que aquelas que ainda não se organizaram dessa forma. O estudo levou em consideração os esforços e resultados de inovação de cerca de mil empresas.
Isso é possível, pois, a estrutura de Governança para a Inovação, independentemente do modelo, delimita questões importantes como:
- O que fazer e quem será o responsável;
- Os alvos almejados e quanto investimento será alocado, sobretudo em portfólio;
- O estabelecimento de metas;
- Os métodos, principalmente quando a inovação conflitar com as atividades rotineiras e/ou outros projetos da empresa;
- Como a companhia irá salvaguardar os interesses de acionistas e demais stakeholders.
Portanto, a inovação passa a ser responsabilidade de alguém ou de algum time, com a sua operacionalização sendo parte integrante da estratégia da própria empresa. Logo, é necessário haver uma prestação de contas e todo o processo de inovação acaba ficando mais transparente – um dos princípios elementares da própria governança corporativa.
Como desenvolver um sistema de Governança da Inovação?
Podemos dizer que todas as companhias que já possuem um grupo ou uma pessoa pensando especificamente sobre inovação têm um modelo de Governança da Inovação, apesar de não o definirem como “governança”.
Casar responsabilidade e autoridade com o tema, já é uma forma de adotar um framework de governança. No entanto, pensar tal estrutura de maneira proativa, é uma forma de dar maturidade e lapidar o que já existe, buscando tornar a inovação uma prática organizada.
Como grandes companhias não alteram seus modelos de Governança com a mudança do CEO (do inglês Chief Executive Officer, Diretor(a) Executivo(a), do CTO (do inglês Chief Technology Officer, Diretor(a) de Tecnologia) ou de qualquer outra pessoa, a estruturação do modelo ideal acaba sendo um grande desafio.
Quando tal propósito passa a ser o foco, perguntas como: Qual o melhor modelo? Centralizado ou descentralizado? A inovação deve ser responsabilidade de uma única pessoa? Deve ser função de um pequeno grupo de pessoas? Ou deve ser distribuída em diversos grupos dentro da Organização? Quem decide onde investir? passam a ser recorrentes para aqueles com a missão de dar cara para o frame de inovação da empresa.
Apesar de não existir uma fórmula secreta, as respostas para tais questões vão variar conforme dois elementos que são intrínsecos à própria companhia: 1) A filosofia da alta administração; e 2) O quanto os negócios da companhia são homogêneos.
Quanto mais a filosofia da alta administração focar em aspectos da sua cultura e no empoderamento de pessoas, mais o modelo será descentralizado e vice-versa. Da mesma forma, quanto mais diversas são as unidades de negócio da companhia, mais haverá a tendência de que os modelos de Governança da Inovação adotados sejam mais descentralizados. Isso dá maior autonomia para cada unidade.
3 papéis fundamentais para uma estrutura de Governança da Inovação
As corporações, especialmente as maiores, tendem a implementar mais de um modelo, formando uma estrutura complementar. Por exemplo, uma companhia em que o CEO é o grande responsável pela inovação, certamente ele sozinho não conseguirá operacionalizar toda a inovação.
Então, é necessário delegar a estratégia para um Comitê formado pela alta administração que, por sua vez, pode delegar funções específicas para Diretores de Unidades ou CTOs. Outras empresas, mais homogêneas, por outro lado, podem optar por centralizar as atividades em uma única pessoa, criando um cargo de Gerente ou Head de inovação.
De qualquer maneira, há três papéis fundamentais no momento de desenhar uma estrutura de Governança voltada à inovação. São eles:
- Tomada de decisão: qual pessoa ou grupo de pessoas será responsável por tomar as decisões referentes aos investimentos e focos da inovação?
- De articulação: quem será o responsável ou responsáveis por articular os projetos de inovação em suas mais variadas áreas?
- De execução: quem irá operacionalizar os projetos e atividades de inovação?
Definida a estrutura de poder em relação ao tema da inovação, a empresa precisa delimitar seus focos e objetivos. Uma Tese de inovação pode auxiliar nesse processo. Posteriormente, é preciso desenhar os seus processos ou pipelines de inovação. Esse conjunto de estrutura, estratégia e processos fará com que sejam otimizados os recursos atrelados à inovação, aumentando as possibilidades de geração de resultados.
Por fim, cabe ressaltar que, apesar de haver modelos predeterminados para a Governança da Inovação, cada Organização precisa olhar para a sua cultura, objetivos e ajustar essa estrutura conforme as suas necessidades. O grande diferencial da Governança da Inovação é, justamente, não ser uma receita de bolo pronta, mas um processo adaptativo.
Este texto foi escrito por Tamiris Dinkowski, consultora de Inovação Corporativa na Semente Negócios.