Empreender é um desafio. É necessário validar a existência de um problema, encontrar o ajuste entre problema problema e solução (problem solution fit) e o ajuste entre solução e mercado (product market fit), fazer as coisas funcionarem, gerir times e no meio de tudo isso lidar com os desafios financeiros que podem comprometer o próximo passo do negócio.
E esses desafios financeiros não são poucos. Eles podem começar na fase da ideia com a necessidade de dinheiro para construir um protótipo e se estender ao longo de boa parte do processo de construção do negócio. Desde a necessidade de manter, especializar ou crescer a equipe, passando pelo desafio de alcançar novos mercados, manter a operação funcionando, conseguir dar o próximo passo na estratégia do negócio e seguindo até o momento de começar a expandi-lo.
E a necessidade de dinheiro para desenvolver um negócio de impacto é algo comum. Segundo o Mapa de Negócios de Impacto Social e Ambiental, um raio-x do ecossistema encabeçado pela Pipe.Social e lançado em março de 2019, hoje 8 em cada 10 empreendedores estão em busca de investimento financeiro.
Um terço deles procuram investimentos até 100 mil reais e o outro terço entre 101 e 500 mil. Dos 1002 negócios inseridos no mapa 85% da base pesquisada que detalhou seus investimentos (849 deles no caso), 42% investiu apenas capital próprio, 24% captou só recursos de terceiros e 34% obteve as duas formas de investimento. Além disso dos 1002 negócios, 22% já captou via doação.
Com tantas necessidades é comum haver uma certa confusão sobre onde e como conseguir dinheiro para superar os desafios financeiros. A Jéssica Rios, sócia da Vox Capital, falou um pouco sobre isso no episódio 10 do ImpactCast sobre Desafios Financeiros em Negócios de Impacto.
Por isso, o primeiro passo é entender quais os tipos de dinheiro que existem neste ecossistema para depois ter claro o que faz sentido para o momento do seu negócio.
Onde captar recursos financeiros
Neste post explicamos as faixas de investimento de impacto e as fontes de financiamento mais usadas em negócios de impacto. Relembramos a seguir algumas delas e adicionamos outras formas:
Investimento próprio – quando o empreendedor ou empreendedora faz uso de dinheiro próprio para solucionar o desafio que está enfrentando. Ele ou ela se torna o primeiro investidor do negócio usando reservas financeiras ou recursos vindos de outra atividade.
FFFs – do inglês, family, friends and fools (família, amigos e tolos) é considerada a segunda linha para busca de dinheiro. Um amigo, um parente ou alguém próximo que acredita no negócio e acaba emprestando ou doando dinheiro para que o negócio continue de pé. Por ter uma relação próxima com quem idealizou/fundou o negócio, são pessoas que acreditam que o negócio pode dar certo e colocam dinheiro muitas vezes sem cobrar juros ou estipular uma data para que ele seja devolvido.
Sócio investidor – quando o empreendedor é alguém que não idealizou ou fundou o negócio mas que, por enxergar um alto potencial de crescimento e impacto, decide tornar-se sócio investidor, não estando necessariamente na operação mas colocando dinheiro no negócio sempre que necessário e dividindo os lucros com os demais sócios. Pode ser um dos FFFs ou alguém que conheceu o negócio por outros canais.
Investidor anjo – investimento realizado por pessoas físicas, em geral empresários, executivos e profissionais liberais com seu próprio capital. O investidor anjo em regra consegue agregar mais do que apenas o dinheiro pois traz consigo conhecimento técnico para o negócio, rede de contatos e experiência – o chamado smart money.
O investidor anjo em geral investe de forma coletiva para mitigar o risco e conseguir empregar seu tempo com qualidade no auxílio ao crescimento do negócio.
Crowdfunding – também conhecido como financiamento coletivo ou vaquinha online, o crowdfunding pode ser feito por meio de plataformas específicas como Benfeitoria, vaquinha online, Catarse.me e Kickante. Consiste na arrecadação de dinheiro, via internet, na qual qualquer pessoa pode contribuir com um pequeno valor no intuito que o projeto em questão possa ser executado. A somatória dessas pequenas doações dá origem ao montante para execução do projeto.
É uma alternativa para captação de recursos para empreendedores que não conseguem levantar o montante via FFFs ou com investidores. E empreendedores que desejam conquistar promotores desde o início do negócio ou querem validar se o público-alvo tem real interesse na solução a ser desenvolvida (afinal ninguém coloca dinheiro em algo que não acredita, não é mesmo?).
Crowdequity – também conhecido como equity crowdfunding é semelhante ao crowdfunding. Nesta modalidade pessoas físicas fornecem os recursos financeiros que o negócio necessita e, em troca, recebem uma pequena participação societária (equity) ou títulos de dívida conversível em participação societária.
Crowdlending – é também conhecido como empréstimo coletivo. Diferente do crowdfunding e do crowdequity o crowdlending é uma modalidade de financiamento colaborativo em que diversas pessoas emprestam seu dinheiro e o recebem de volta junto com uma porcentagem de juros cobrada pelo tempo do empréstimo.
Bancos – podem ser privados ou de fomento e, semelhante ao crowdlending, fornecem dinheiro em troca de juros.
Aceleradora – empresas que prestam apoio a empreendedores com o objetivo de fazê-los crescer rapidamente. Em alguns casos as aceleradoras oferecem o chamado “dinheiro de sobrevivência”: uma quantia capaz de sustentar os empreendedores e o negócio durante o período do programa ou pouco além disso em troca de uma porcentagem do negócio ou direito/preferência de compra por determinado período de tempo.
Editais – também conhecidos como chamamentos públicos ou subvenção econômica, são oportunidades divulgadas por órgãos governamentais, institutos, fundações ou órgãos de fomento no intuito de patrocinar, contratar ou investir em determinado setor ou tipo de negócio.
Debêntures de impacto – modalidade relativamente nova no Brasil, são títulos de crédito que representam um empréstimo. São emitidos por empresas que desejam captar dinheiro para executar algum tipo de obra ou melhoria interna oferecendo uma porcentagem de juros pelo tempo em que estiverem fazendo uso do dinheiro. A garantia para os investidores é o patrimônio que esta empresa tem, uma vez que ao final do período estipulado o dinheiro poderá ser resgatado pelo investidor com os juros acordados no momento do lançamento da debênture.
Family Offices – são assessorias montadas para administrar o patrimônio de famílias com muitos recursos. Em alguns casos decidem investir uma parte do montante desse patrimônio em negócios que estejam alinhados ao propósito ou core business de outros negócios próprios dessas famílias como é o caso da Família Zaher (dona do Grupo SEB) e do FORImpact, iniciativa liderada pelo ICE e Impactix.
Fundos de investimento – formados por vários investidores, empresas ou organizações, os fundos de investimento alocam seus recursos em negócios que estejam alinhados ao seus objetivos (chamado de tese de investimento) com o intuito de obter retorno financeiro e também gerar impacto ao longo do tempo. Em troca do dinheiro recebem parte dos lucros provenientes da valorização do negócio (valuation) e também participação acionária no negócio, obtendo seus lucros quando ele é vendido para outra empresa, o chamado exit ou abrindo capital na bolsa, chamado IPO – Initial Public Offering, oferta pública inicial em português.
Empresas/corporate venture – é o investimento feito em geral por empresas de grande porte em negócios que estejam ligados ao seu core business. Em troca o corporate venture recebe parte dos lucros da investida e/ou direito de voto, podendo também adquiri-la dependendo de sua estratégia.
E como saber que tipo de dinheiro eu preciso?
Depois de entender um pouco sobre os tipos de dinheiro disponíveis no ecossistema de impacto já é possível ter uma ideia de qual deles é ou não interessante para o momento do seu negócio.
Mas, ainda assim, é importante fazer uma reflexão mais aprofundada pois é necessário olhar para o motivo pelo qual você precisa do dinheiro, que tipo de dinheiro existe disponível no mercado para esta necessidade e uma coisa que muito empreendedor esquece: sua intenção de captar dinheiro no futuro.
Uma forma interessante de chegar a esta resposta é se perguntar:
- Para que eu preciso de dinheiro?
- O que vou fazer com o dinheiro?
- Em que fase meu negócio está?
- Preciso mesmo captar dinheiro ou existe outra forma de resolver o desafio financeiro que estou enfrentando?
- O retorno que vou obter com esse dinheiro é maior do que o custo de consegui-lo?
- Faz sentido ter uma nova pessoa no quadro societário agora?
- Este é o momento certo para fazer a captação desse valor?
- Um novo sócio, neste momento, pode ajudar ou atrapalhar meu negócio?
- Posso ter novos ganhos com a entrada desse dinheiro?
- O quanto a entrada desse dinheiro interfere ou colabora para o valuation e captable do meu negócio?
É importante ter em mente que quanto maior a incerteza menor será a quantidade de dinheiro que você conseguirá captar, pois o risco interfere diretamente na captação.
No ecossistema de negócios de impacto há o paradoxo do “muito dinheiro disponível e pouco dinheiro investido” pois, apesar do Annual Impact Investor Survey – 2018 publicado pelo Global Impact Investing Network (GIIN) mostrar que o fluxo de capital investido em negócios de impacto no mundo pulou de 46 bilhões de dólares em 2014 para 228 bilhões de dólares em 2018 ainda é difícil ver o dinheiro chegar na mão dos empreendedores.
O principal fator apontado para esse fenômeno é a pouca capacidade de mostrar validações consistentes tanto do negócio quanto do impacto por elas gerado. Em outra pesquisa feita pela Ande apoiada pela Semente Negócios com o panorama do investimento de impacto no Brasil, aponta que apesar de resiliente ao longo dos anos, há ainda muito a explorar em investimento de impacto no Brasil.
Os investimentos feitos em 2018-2019 devem superar os US$ 200
milhões. Esse montante representaria um aumento significativo
em comparação com o total investido nos dois anos anteriores.
Alinhando isso fica mais fácil entender onde pegar o dinheiro. A dica de ouro é ter claro onde você quer que a solução chegue, levando em consideração às necessidades do mercado, pois, assim, você poderá ter claro quais são os próximos passos a serem seguidos.
*Este conteúdo foi produzido por Daiane Almeida