No último episódio da temporada Inovação Social e Diversidade do Impactcast, o podcast de impacto da Semente, gravamos com três convidadas empreendedoras para conversar sobre maternidade e mercado de trabalho.
Conheça as participantes que abordaram dores, desafios e práticas que encontramos enquanto mães dentro dos diferentes recortes de idade, raça e classe social, além da decorrente necessidade de inclusão:
Clélia Rosa, fundadora do Luderê Afro Lúdico, pedagoga e mestre em educação. Tem um trabalho de formação de professores pautado na temática de igualdade de gênero e raça, Encampa a pauta da maternidade no mercado de trabalho, colocando questões específicas do que é ser mãe e negra.
Mariana Belini, Product Manager na Involves, trabalha na área de tecnologia há 10 anos e recém havia sido contratada, grávida do segundo filho. Atua ativamente no ecossistema de tecnologia em Florianópolis (SC), é mentora de startups e participa da Rede Mulher Empreendedora (RME), que apoia o empreendedorismo feminino do Brasil e conta com 500 mil mulheres cadastradas.
Tais Saraiva, sócia fundadora do Benditas Mães, trabalhou durante 10 anos nos Recursos Humanos de uma empresa de tecnologia. Depois, montou um e-commerce de enxoval de bebês e agora tem uma startup na área de maternidade.
Você pode ouvir o bate-papo completo aqui, mas recomendo a leitura que segue, antes de acessar o podcast. Vamos lá?
Desafios que envolvem maternidade e mercado de trabalho
Nós, mães, sabemos da dificuldade que enfrentamos no mercado de trabalho, desde a entrevista de emprego. Ainda é praxe perguntarem se somos casadas ou se pretendemos ter filhos. Se já os temos, os recrutadores costumam perguntar quem cuida dele no caso de alguma doença ou outra dificuldade.
Também há muitas mulheres que são excluídas de processos seletivos antes mesmo de serem mães, mesmo tendo todas as competências e qualificações para a vaga, apenas pelo fato de serem mulheres e correrem o risco de engravidar.
Quando a mulher ainda não é mãe e engravida estando empregada, logo surge a insegurança e o medo de perder o emprego no retorno da licença maternidade. A apreensão é real, segundo esta pesquisa de 2019 da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ao analisar maternidade e mercado de trabalho, os cientistas constaram que a probabilidade de emprego das mães no ambiente formal aumenta gradualmente até o momento da licença, e decai depois, principalmente para quem tem menos instrução. Além disso, a queda no emprego se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença, que no Brasil é de quatro meses.
Após dois anos, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses após a licença. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador, ainda conforme o levantamento.
Por que ganhamos menos?
Além disso, uma pesquisa realizada pelo professor Henrik Kleven, da Universidade de Princeton, aponta que o principal motivo pelos quais as mulheres são menos remuneradas que os homens consiste no fato de elas poderem se tornar mães.
A investigação de Henrik foi realizada na Dinamarca, onde apesar de os pais receberem os mesmos direitos que as mães no quesito licença maternidade/paternidade, as mães ainda vêem o seu salário declinar após a maternidade.
O estudo serviu como base para a série Explicando, disponível na Netflix. O episódio Por que as mulheres ganham menos entrevista mulheres em diversos países, mostrando a realidade do mercado de trabalho para elas.
O empreendedorismo feminino como necessidade
No Brasil, a falta de flexibilidade das empresas, que tornam difícil a conciliação entre maternidade e mercado de trabalho, está no topo das motivações para que as mulheres abram um negócio próprio. Muitas vezes o empreendedorismo não é uma escolha, mas uma necessidade.
Diante desse cenário, a Diretora de Expansão da RME, Marcela Aquiroga, sugere que o empreendedorismo pode ser a única alternativa para quem deseja continuar ao lado dos filhos e ativa profissionalmente.
A mesma percepção está presente neste estudo feito pela Rede Mulher Empreendedora, que mostrou que 75% das mulheres abrem uma empresa após a maternidade por ser a única maneira encontrada por elas para continuar trabalhando e tomando conta dos filhos.
Impacto é maior para as mulheres negras
No episódio do Impactcast, Clélia enfatiza que maternidade e mercado de trabalho compõem um tema bastante complexo. Uma vez no Brasil, não podemos deixar de levar em conta os marcadores sociais de diferença entre as mulheres, segundo a pedagoga. Também deve ser observado como esses recortes impactam de forma diferenciada na nossa maternidade e carreira.
“Do ponto de vista histórico, para a mulher negra brasileira, o empreendedorismo feminino é algo que existe desde sempre, antes mesmo de ser chamado de empreendedorismo. As mulheres negras sempre precisaram conciliar o trabalho com a maternidade, muitas vezes cuidando dos seus próprios filhos e dos filhos das outras mulheres, suas ‘donas'”, ilustra a fundadora do Luderê Afro Lúdico.
Nesse sentido, é importante que tiremos um pouco os óculos de nossos privilégios para entendermos que é um processo difícil para as mulheres em geral, mas muito mais pesado para as mães negras.
“Após o fim [oficial] da escravidão, foram as mulheres negras que saíram em busca de renda no mercado informal como quituteiras, lavadeiras… É interessante olhar para a história, porque a partir desse trabalho, essas mulheres mantinham toda uma casa. Durante o período de escravidão, era o trabalho das mulheres que mais levantava dinheiro para comprar a liberdade de outros escravos e escravas”, ressalta Clélia.
Em 2020, um pouco dessa história foi contado no samba-enredo da escola Viradouro, no Carnaval do Rio de Janeiro RJ). O samba conta a história das mulheres escravizadas em Salvador no século XIX, que com o dinheiro arrecadado com seu trabalho como lavadeiras e com venda de comida compravam a sua alforria e de outras escravas.
“É fundamental colocarmos os recortes sócio-históricos quando falamos de empreendedorismo, porque para mulheres negras, isso não é uma novidade. O que talvez seja novidade é essa nomenclatura, mas na prática de vida, isso já acontece há muitos anos”, salienta Clélia.
A importância da rede de apoio para as mães
Neste episódio sobre maternidade e mercado de trabalho do podcast sobre impacto da Semente, também falamos sobre as diferença entre pais e mães no ambiente corporativo.
Os homens não são questionados ou cobrados sobre seu desempenho quando são pais. Já as mulheres, precisam tomar cuidado para não demonstrar muita dedicação ou preocupação com os filhos, enquanto estão trabalhando. Mesmo nos dias de hoje.
“Para nós mulheres, a cobrança vem dos dois lados: precisamos desempenhar com excelência os dois papéis, o profissional e materno, mas parece que sempre estaremos em desvantagem em algum deles. É difícil que nos enxerguem como boas mães e boas profissionais. Precisamos provar a todo momento que somos capazes ou seremos julgadas. Precisamos a todo tempo inovar, nos reinventar, porque o mercado não quer nos absorver”, continua Clélia.
A maternidade envolve muitos questionamentos, principalmente nos primeiros dois anos do primeiro filho. As mulheres enfrentam muitos desafios referentes aos relacionamentos e à própria identidade como mulher, não apenas ao trabalho.
Falta entendimento das empresas, dos companheiros e da rede desta mulher para estes questionamentos. A maioria das profissionais e mães está aberta a se submeter a horários de trabalho complicados. Também nos sentimos inseguras em faltar ao trabalho por motivo de doença própria ou do filho, mesmo sendo um direito garantido por lei, com medo de perder o emprego.
“Com todos esses desafios, acabamos nos sentindo sozinhas. Por isso, ter uma rede de apoio é fundamental para encontrarmos o equilíbrio perdido no caminho dos relacionamentos e profissionalmente”, destaca Tais.
Maternidade como pauta de inclusão
Também ouvida no podcast sobre maternidade e mercado de trabalho, Mariana reconhece que vive uma realidade bem diferente da maioria das mulheres por ser branca e trabalhar com tecnologia. Ela chegou a ter várias propostas de trabalho, mesmo estando grávida. Tampouco deixa de mencionar todo o esforço empenhado nos últimos quatro anos para montar um currículo excelente.
Por entender que a sua realidade infelizmente não é a dominante, a profissional conta sobre sua intenção de trazer cada vez mais mulheres mães para esta área ainda tão masculina. Segundo a gestora de produto da Involves, este ano aumentaram os esforços para que o Startup Weekend crescesse em diversidade, o que se caracteriza como um pequeno passo em direção à inclusão.
Afinal, estamos caminhando para um futuro em que toda empresa será de tecnologia. Na contramão, está o acesso das mulheres neste campo profissional. Segundo o estudo Women in Tech: the facts, no Brasil os cursos de computação cresceram 586% nos últimos 24 anos, quando o índice de alunas matriculadas caiu de 34,89% para 15,53%.
Em todo o mundo, apenas 8% das desenvolvedoras são mulheres e somente 3% dos cargos de CEO são ocupados por mulheres. São empresas sendo criadas, executadas e dirigidas prioritariamente sob um viés, que acabam deixando de inovar, serem diversas e incluir determinadas parcelas da sociedade, como as mães.
Avançamos, mas ainda há um longo caminho pela frente
Tais, como profissional de RH, explica que estamos caminhando e vemos as empresas, principalmente as mais inovadoras. Essas, continua a especialista, têm a mente mais aberta para conjugar maternidade e mercado de trabalho, além de impulsionar a carreira das mulheres que são mães.
“Ainda não está bom, mas vemos alguns movimentos, há esperança e estamos caminhando, ainda falta muito mas estamos caminhando.” Segundo ela, empresas de tecnologia, principalmente, estão começando a entender que a mulher precisa atuar de formas diferentes, que pode não estar presente em alguns momentos, mas que pode tranquilamente compensar isso de outras maneiras.
Trabalhos de sensibilização das empresas, para que se preparem para lidar com os aspectos da maternidade e enxerguem as questões e as vantagens de empregar mulheres mães, também estão acontecendo com mais frequência, principalmente em startups, que já nascem com um conceito diferente.
Tais acredita que a situação, apesar de crítica, está melhorando. “Empresas e empregadores estão abrindo a mente, mulheres estão se impondo também. Vimos um movimento de mulheres conquistarem cargos importantes, mas o legal é que a gente tá enxergando que pode ter escolhas e dar conta do trabalho. Não precisamos ser heroínas, já mostramos que podemos ser ótimas em posições de liderança e gestão, mas não queremos abrir mão da nossa vida por causa disso e não precisamos nos matar pra fazer um bom trabalho”, defende.
Como mulher mãe que trabalha, posso afirmar que lidamos muito com a falta de reconhecimento. Também sabemos da importância de ter uma rede de apoio para lidar com toda essa carga de ter que resolver tudo sozinha. Vemos que existem empresas dispostas a incluir as mães no mercado de trabalho e entendemos que deveriam aproveitar as qualidades que reforçamos com a chegada da maternidade: empatia, gestão de múltiplas tarefas e resiliência, principalmente. E esse é um esforço de longo prazo, de todos nós.
Precisamos deixar cada vez mais claro que o cuidado e a responsabilidade pelos filhos não é apenas da mãe, mas também dos pais e da sociedade como um todo. É um longo caminho, mas aos poucos, estamos mudando essa realidade. A mudança é necessária, pois sem mães não há sociedade nem força de trabalho.
Ouça aqui o episódio completo do Impactcast sobre maternidade e mercado de trabalho. Se quiser continuar a conversa com um de nossos consultores, entre em contato. Fique à vontade para deixar a sua dúvida ou visão sobre o assunto abaixo.